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4.8.07

A GUERRA DOS MUNDOS

































É com muito orgulho que a Câmara dos Tormentos apresenta esta publicação. Relutamos em disponibilizá-la temendo que não fosse devidamente prestigiada devido às dimensões do texto. Em fim decidimos por levar a diante nossa vontade de proporcionar prazer literário em seu estado mais puro aos nosso amigos e colaboradores. Sendo assim, dedicamos este E-book, que chupamos do "projeto democratização da leitura (www.portaldetonando.com.br)" a todos aqueles que se detém diante do inusitado com admiração e respeito. Para o seu deleite, um dos principais livros de ficção-científica de todos os tempos, na íntegra. De quebra fica aqui nossa homenagem a mais um escritor fundamental à literatura fantástica universal, Herbert George Wells.



A GUERRA DOS MUNDOS
H. G. Wells

(Livro I. Capítulos I, II e III)


A concretização da sua ideia


“Mas quem viverá nestes mundos se eles forem desabitados?... Somos nós ou eles, os Senhores do Mundo?... E serão todas as coisas feitas para o homem?”
Kepler, citado em A Anatomia da Melancolia.


LIVRO I
A CHEGADA DOS MARCIANOS

I
A VÉSPERA DA GUERRA

Nos últimos anos do século XIX, ninguém teria acreditado que este mundo estava a ser aguda e estreitamente observado por seres mais inteligentes do que o homem e, no entanto, tão mortais como ele; que, enquanto se ocupavam com os seus múltiplos problemas, os homens eram examinados tão pormenorizadamente como o são, sob a lente do microscópio, as criaturas efémeras que abundam e se multiplicam numa gota de água. Com uma complacência infinita, os homens moviam-se de um lado para o outro do seu globo, tratando dos seus pequenos negócios, serenamente, na certeza do seu poder sobre a matéria. É possível que se passe o mesmo com os infusórios no microscópio. Ninguém imaginou que os mundos mais antigos do espaço pudessem constituir perigo para os homens. Se alguém pensou nisso, foi unicamente para rejeitar a ideia de que a vida existisse sobre eles, pois este facto parecia impossível ou improvável. É curioso recordar alguns dos hábitos mentais desses dias remotos. Quando muito, os homens imaginavam que poderia haver outros homens em Marte, talvez inferiores e prontos a acolher uma obra de apostolização. No entanto, nas profundezas do espaço, mentes que estão para as nossas como estas estão para as dos animais, inteligências vastas, frias e insensíveis, fixavam a Terra com olhos invejosos e traçavam, lenta mas seguramente, os seus planos de conquista. E, nos princípios do século XX, chegou a grande decepção.
O planeta Marte - deve ser praticamente desnecessário lembrá-lo ao leitor - gira em torno do Sol a uma distância média de 224 milhões de quilómetros, e a luz e o calor que recebe do Sol mal chegam a metade dos que o nosso mundo recebe. Caso a teoria das nebulosas contenha alguma verdade, Marte deve ser mais velho do que a Terra, e muito antes de esta deixar de ser uma massa em fusão, a vida deve ter iniciado o seu curso na superfície de Marte. É provável que o facto de contar apenas cerca de um sétimo do volume da Terra tenha acelerado o seu arrefecimento até atingir a temperatura que possibilita o início da vida. Tem ar e água e tudo quanto é necessário para a manutenção da existência.
No entanto, o homem é tão vaidoso e a sua vaidade cega-o tanto que nenhum escritor, até ao fim do século XIX, exprimiu qualquer opinião sobre a possibilidade de se ter desenvolvido, tão longe, vida inteligente, ou, de qualquer modo, acima do nível que esta atinge na Terra. Nem sequer se costumava admitir que o facto de Marte ser mais antigo do que a Terra e de estar mais afastado do Sol significasse, necessariamente, que não só estava mais distante do início da vida, como também mais perto do seu fim.
O arrefecimento secular que um dia surpreenderá a Terra encontra-se já, certamente, numa fase muito adiantada no planeta dos nossos vizinhos. Em grande parte, as suas condições físicas permanecem um enigma, mas já sabemos que, mesmo na região equatorial, a temperatura ao meio-dia mal se aproxima da que se verifica nos nossos Invernos mais frios. A sua atmosfera é muito mais rarefeita do que a nossa, os seus oceanos alargaram-se até cobrirem dois terços da superfície do planeta e, quando se verifica a lenta mudança das estações, vastas extensões nevadas acumulam-se e derretem-se em redor de cada pólo e inundam periodicamente as suas zonas temperadas. A última fase da exaustação, que, para nós, ainda está incrivelmente afastada, tornou-se um problema actual para os habitantes de Marte. A pressão imediata da necessidade avivou as suas inteligências, alargou os seus poderes e endureceu-lhes o coração. E olhando através do espaço com instrumentos que mal concebemos, viram, apenas a 56 milhões de quilómetros de distância mínima, uma esperançosa estrela da manhã: o nosso planeta, cheio de vegetação verde e em parte coberto de água cinzenta, com uma atmosfera nebulosa que sugeria fertilidade, e aparições fugazes, através de aglomerados de nuvens, de largas extensões de terras com países populosos e mares estreitos coalhados de navios.
E nós, homens, as criaturas que habitam a Terra, devemos ser para eles, pelo menos, tão estranhos e desprezíveis como os macacos e os lémures são para nós.
O lado intelectual do homem já admite que a vida constitui uma luta incessante pela existência, e pareceria que também esta é a crença dos marcianos. O arrefecimento do seu mundo já se encontra numa fase muito adiantada e o nosso ainda está super-povoado, mas apenas com espécies animais que eles consideram inferiores. Levar a guerra em direcção ao Sol era, sem dúvida, a única possibilidade de fuga à destruição que, geração após geração, os persegue.
Antes de formularmos a seu respeito um juízo demasiado severo, devemos recordar-nos que destruímos, implacável e totalmente, não apenas animais, como o bisão e o dodó, mas também raças inferiores. Os dasiúros, apesar da sua semelhança com os homens, foram inteiramente aniquilados no decorrer de uma guerra de extermínio empreendida por imigrantes europeus no espaço de cinquenta anos. Seremos tão piedosos que tenhamos o direito de nos lamentar se os marcianos fizerem a guerra movidos pelo mesmo espírito?
Parece que os marcianos calcularam a sua descida com uma subtileza espantosa - é evidente que os seus conhecimentos matemáticos são muito superiores aos nossos - e levaram a cabo os seus preparativos com uma unanimidade quase perfeita. Se os nossos instrumentos o tivessem permitido, poderíamos ter visto a crescente agitação no seu planeta, nos princípios do século XIX. Homens como Schia-parelli observaram o planeta vermelho - é curioso notar, a propósito, que durante muitos séculos Marte foi a estrela da guerra -, mas não conseguiram interpretar as aparições instáveis que localizaram tão bem. Os marcianos deviam ter estado a preparar-se no decorrer de todo esse período.
Durante a oposição de 1894, foi visto um enorme clarão na parte iluminada do disco, primeiro pelo Observatório Lick, depois pelo Perrotin de Nice e em seguida por outros observadores. Os leitores ingleses tiveram pela primeira vez conhecimento deste facto através da edição de Nature datada de 2 de Agosto. Creio que este clarão se devia à fundição, no vasto fosso escavado no seu planeta, do enorme canhão do qual eram disparados os projécteis que nos atingiram. Sinais peculiares, embora inexplicáveis, foram vistos nas imediações do local onde se verificara a erupção durante as duas oposições seguintes.
A tempestade abateu-se sobre nós há seis anos. Quando Marte se aproximava da oposição, Lavelle, de Java, entusiasmou os meios astronómicos com a espantosa notícia de uma imensa erupção de gás incandescente sobre o planeta. Isto verificou-se cerca da meia-noite do dia 11; e o espectroscópio, ao qual recorreu imediatamente, indicou uma massa de gás em chamas, principalmente hidrogénio, que se movia a uma velocidade enorme na direcção da Terra. Esse jacto de fogo tornou-se invisível cerca da meia-noite e um quarto. Comparou-o a uma lufada colossal de chamas que esguichara do planeta súbita e violentamente, “como a explosão de gases em chamas de uma espingarda”.
Esta frase provou ser singularmente apropriada. No entanto, no dia seguinte, não havia nenhuma referência nos jornais a este facto, salvo uma pequena notícia no Daily Telegraph; o mundo continuou na ignorância de um dos perigos mais graves que têm ameaçado a raça humana. Eu não teria sabido nada acerca da erupção se não tivesse encontrado Ogilvy, o célebre astrónomo, em Ottershaw. Achava-se tremendamente excitado com as notícias e, movido pelo seu entusiasmo, convidou-me a fazer-lhe companhia, nessa noite, na observação do planeta vermelho.
Apesar de tudo quanto aconteceu desde então, ainda recordo com muita clareza essa vigília: o observatório sombrio e silencioso, a lanterna que projectava um débil clarão sobre o solo, ao canto, o tique-taque uniforme do maquinismo de relojoaria do telescópio, a pequena fresta no telhado - uma profundeza oblonga através da qual se via vogar a poeira estelar. Ogilvy andava de um lado para o outro, invisível mas audível. Ao olharmos através do telescópio, víamos um círculo de azul-escuro e o pequeno planeta redondo vogando no raio visual. Parecia uma coisa diminuta, brilhante e calma, debilmente marcada por faixas transversais e ligeiramente achatada. Mas era tão pequena, de um prateado tão quente - aquela cabeça luminosa de alfinete! Parecia estremecer, mas, na realidade, tratava-se da vibração do telescópio devida à actividade do sistema de relojoaria que mantinha o planeta no campo visual.
Quando o observava, o planeta parecia aumentar e diminuir, avançar e recuar, mas isso era apenas o resultado da fadiga dos meus olhos. Separavam-nos sessenta e quatro milhões de quilómetros - mais de sessenta e quatro milhões de quilómetros de vazio. Poucas pessoas compreendem a imensidade do vácuo no qual voga a poeira do universo material.
Lembro-me de que no campo visual, perto do planeta, se viam três fracos pontos de luz, três estrelas telescópicas infinitamente distantes; em redor, a escuridão impenetrável do espaço vazio. Sabem qual a impressão que nos causa esta escuridão numa noite gelada e carregada de estrelas? Vista por um telescópio parece ainda mais profunda. E, invisível para mim, dado que estava muito afastada e era muito pequena, vogando rápida e uniformemente através de tantos milhares de quilómetros, mais próxima em cada minuto que passava, vinha a Coisa que eles nos enviavam, a Coisa que devia trazer tanta luta, calamidade e morte à Terra. Em momento algum imaginei este facto ao olhar através do telescópio; ninguém suspeitou da existência desse míssil infalível.

Naquela noite verificou-se outra erupção de gás do distante planeta. Vi-a. Um relâmpago de orla avermelhada numa estreita faixa ao longo dos contornos, precisamente quando o cronómetro marcava meia-noite. Nesse momento informei Ogilvy e ele tomou o meu lugar. A noite estava quente e eu tinha sede. Dirigi-me até à pequena mesa onde se encontrava o sifão, estirando as pernas desajeitadamente e tacteando o caminho na escuridão. Entretanto, Ogilvy soltava exclamações ao ver a nuvem de gás que vinha na nossa direcção.
Nessa noite, outro míssil invisível partiu de Marte a caminho da Terra, cerca de vinte e quatro horas depois da partida do primeiro. Lembro-me de que palpei a mesa às escuras, com manchas esverdeadas e carmesim vogando em frente dos olhos. Desejava ter qualquer coisa perto com que acender o cigarro. Mal suspeitava o significado do pequeno clarão que vira e de tudo o que me traria. Ogilvy esteve de vigia até à uma e depois desistiu; acendemos a lanterna e fomos até casa dele. Ottershaw e Chertsey estavam às escuras e todas as suas centenas de habitantes dormiam em paz.
Nessa noite, ele falou incessantemente acerca das possíveis características físicas de Marte e zombara da ideia vulgarizada de que houvesse habitantes que estavam a fazer-nos sinais. Ele supunha que estava a cair um grande número de meteoritos sobre o planeta, ou que estava a verificar-se uma imensa explosão vulcânica. Salientou que era improvável que a evolução orgânica tivesse tomado a mesma direcção nos dois planetas vizinhos.
“As probabilidades contra a existência em Marte de qualquer coisa semelhante ao homem são de um milhão para um”, afirmou.
Centenas de observadores viram as chamas nessa noite, e cerca da meia-noite do dia seguinte, e de novo uma noite depois, e assim aconteceu durante dez noites consecutivas; uma erupção de chamas em cada uma. Ninguém conseguiu explicar por que razão não houve mais erupções além da décima. Pode ser que os gases libertados pela descarga se mostrassem inconvenientes para os marcianos. Densas nuvens de fumo ou de poeira visíveis da Terra através de um telescópio poderoso, manchas pequenas, cinzentas, flutuantes, projectavam-se através da atmosfera clara do planeta e obscureceram as suas feições mais familiares.
Os próprios jornais começaram por fim a referir-se ao que se passava e apareceram notas populares aqui, ali, por todo o lado, acerca dos vulcões marcianos. Recordo que o periódico sério-cómico Punch fez feliz uso dos acontecimentos numa caricatura política. E, sem que alguém se apercebesse, os mísseis disparados contra nós pelos marcianos aproximavam-se da Terra, movendo-se agora a uma velocidade de muitos quilómetros por segundo, através do abismo vazio do espaço, aproximando-se com o escoar das horas e dos dias. Hoje em dia, parece-me incrivelmente maravilhoso que os homens pudessem andar de cá para lá, a tratar dos seus negócios insignificantes, quando tinham suspenso sobre eles, tão próximo, aquele destino. Lembro-me do júbilo que Markham manifestou ao conseguir uma fotografia do planeta para o jornal ilustrado que então editava. Nestes últimos tempos, as pessoas dificilmente compreendem a abundância e a iniciativa dos nossos jornais do século XIX. Pela minha parte, achava-me muito ocupado a aprender a andar de bicicleta e a escrever uma série de ensaios literários acerca da provável evolução das ideias morais em relação ao progresso da civilização.
Uma noite (nessa altura, o primeiro míssil devia estar a uma distância máxima de 16 milhões de quilómetros), fui dar um passeio com a minha mulher. O céu estava estrelado e eu expliquei-lhe os sinais do Zodíaco e apontei para Marte, um ponto luminoso que cintilava perto do zénite, para o qual estavam apontados muitos telescópios. A noite estava quente. Quando regressámos a casa, passou por nós, cantando e tocando, um grupo de excursionistas vindos de Chertsey ou de Isleworth. Via-se luz nas janelas dos pisos superiores das casas enquanto as pessoas se deitavam. De longe, da estação de caminho de ferro, chegava o ruído produzido por comboios em manobras, ruído este que a distância tornava suave, transformando-o quase numa melodia. Minha mulher apontou-me os sinais luminosos, verdes, vermelhos e amarelos, que, num poste, se projectavam contra o céu. Tudo parecia seguro e tranquilo!


II
A ESTRELA CADENTE

Seguiu-se a noite da primeira estrela cadente. De manhã cedo, voando sobre Winchester em direcção leste, viu-se um traço de chamas a grande altura, na atmosfera. Deve ter sido visto por centenas de pessoas que o tomaram por uma vulgar estrela cadente. Albin, ao descrevê-la, afirmou que deixava atrás de si um rastro esverdeado que luzia durante alguns segundos. Denning, a nossa maior autoridade em meteoritos, disse que a altura a que se verificou a sua primeira aparição foi de cerca de cento e quarenta ou de cento e cinquenta quilómetros. Parecia-lhe que devia ter caído a uma distância de cento e cinquenta quilómetros a leste.
Eu encontrava-me em casa, a essa hora, a trabalhar no meu ensaio; e, apesar de as janelas deitarem para Ottershaw e de a persiana estar levantada (pois gostava de olhar para o céu à noite), não vi nada. No entanto, esta coisa, a mais estranha de todas as que chegaram à Terra vindas do espaço exterior, deve ter caído enquanto eu estava sentado e tê-la-ia visto se tivesse, simplesmente, olhado para cima quando passou. Algumas das pessoas que observaram o seu voo dizem que a acompanhava um ruído sibilante. Eu não ouvi nada. Muitas pessoas em Berkshire, Surrey e Middlesex devem ter visto a sua queda e, quando muito, julgaram que se tratava de outro meteorito. Nessa noite, não parece que alguém tenha ficado preocupado com a massa em queda.
No entanto, de manhã, o pobre Ogilvy, que vira a queda da estrela e estava convencido de que algum meteorito jazia nos baldios entre Horsell, Ottershaw e Woking, levantou-se muito cedo na intenção de encontrá-lo. Na realidade, encontrou-o pouco depois do alvorecer e não muito longe dos fossos de areia. O impacte do projéctil abrira um enorme buraco e a areia e o cascalho tinham sido arremessados com violência em todas as direcções, por cima da urze, formando montes visíveis a milha e meia de distância. A parte oriental do urzal estava em chamas, e erguia-se na alvorada uma delgada coluna de fumo azul.
A Coisa estava quase inteiramente enterrada na areia, entre as lascas dispersas de um pinheiro que se despedaçara em fragmentos ao cair. A parte a descoberto tinha a aparência de um enorme cilindro, de contornos duros, suavizados por uma espessa incrustação escamosa de cor mate. Tinha cerca de trinta metros de diâmetro.
Aproximou-se do objecto, surpreendido com o tamanho e ainda mais com a forma, dado que a maioria dos meteoritos são mais ou menos completamente redondos. No entanto, encontrava-se ainda tão quente devido ao seu voo através da atmosfera que se tornava impossível aproximar-se mais. Atribuiu um ruído proveniente do interior do cilindro ao resultado do arrefecimento desigual da sua superfície, pois, nesse momento, não lhe ocorreu que pudesse ser oco.
Permaneceu à beira do fosso que a Coisa abrira para si mesma, admirado com a sua aparência estranha, surpreendido principalmente com a invulgaridade do seu aspecto e cor e apercebendo-se confusamente de alguns aspectos evidentes do desígnio da sua vinda. A alvorada estava maravilhosamente tranquila e o sol, que iluminava apenas os pinheiros de Weybridge, já começava a aquecer. Não se lembrava de ter ouvido quaisquer pássaros nessa manhã, não bulia decerto nenhuma brisa e os únicos sons que se ouviam eram os que provinham dos débeis movimentos no interior do cilindro coberto de cinza. Ele achava-se absolutamente só no baldio.
De súbito, verificou, estremecendo, que uma parte da escória, a incrustação acinzentada que cobria o meteorito, estava a despegar-se da borda circular da ponta. Desprendia-se a escorria em lascas para a areia. Bruscamente, despegou-se um grande bocado e caiu com um ruído agudo que o fez reter a respiração.
Durante cerca de um minuto não conseguiu compreender o que aquilo significava e, embora o calor fosse excessivo, desceu ao fosso, rente ao objecto, para ver melhor a Coisa. Chegou a imaginar que o arrefecimento do corpo pudesse estar relacionado com isto, mas tal hipótese não explicava o motivo pelo qual a cinza caía unicamente da extremidade do cilindro.
Verificou então que o topo circular do cilindro rodava muito lentamente sobre o corpo. Era um movimento tão gradual que só o descobriu ao verificar que a marca preta que estivera perto dele havia cinco minutos se encontrava nesse momento do lado oposto da circunferência. Mesmo então não conseguiu compreender o que aquilo significava, até ouvir o som abafado de algo que rangia, amortecido, e viu a marca preta distanciar-se numa sacudidela cerca de uma polegada. Nesse momento, a explicação surgiu-lhe bruscamente. O cilindro era artificial - oco - com uma ponta que se desaparafusava. Alguma coisa, no interior do cilindro, estava a desaparafusar o topo!
- Céus! - exclamou Ogilvy. - Está um homem lá dentro! Há homens lá dentro! Quase a morrer assados! Estão a tentar fugir!
Imediatamente, numa rápida transição mental, relacionou a Coisa com as erupções observadas em Marte.
O pensamento de que uma criatura estava presa no interior do cilindro era-lhe tão insuportável que esqueceu o calor e aproximou-se do cilindro a fim de ajudar a abri-lo. Mas é provável que a radiação entorpecedora o detivesse antes de queimar as mãos no metal ainda incandescente. Hesitou durante alguns momentos, depois voltou-se, saiu do fosso e começou a correr como um selvagem na direcção de Woking. Deviam ser então, aproximadamente, seis horas. Encontrou um carroceiro e tentou fazer-lhe compreender o que se passava, mas a história que narrava e o seu aspecto eram tão extravagantes - o chapéu tinha caído para dentro do fosso - que o homem limitou-se a tocar os cavalos e a prosseguir o seu caminho. Também não teve êxito com o empregado que abria nesse momento as portas da cervejaria perto de Horsell Bridge. O homem pensou que se tratava de um lunático e tentou em vão fechá-lo no bar. Este facto moderou um pouco a sua excitação; e, quando viu Henderson, o jornalista londrino, no seu jardim, chamou-o por cima da cerca e explicou-lhe o que se passava.
Henderson - gritou -, viu aquela estrela cadente, na noite passada?
E então? - disse Henderson.
Encontra-se neste momento em Horsell Com-mon.
Meu Deus! - exclamou Henderson. - Um meteorito! Isso é bom!
Mas é algo mais do que um meteorito. É um cilindro, homem, um cilindro artificial! E há qualquer coisa lá dentro.
Henderson ergueu-se, com a pá na mão.
- O quê? - perguntou. Era surdo de um ouvido.
Ogilvy contou-lhe tudo o que tinha visto. Henderson levou cerca de um minuto a perceber o que se passava. Depois, deixou cair a pá, pegou no paletó e saiu para a estrada. Os dois homens regressaram imediatamente a toda a pressa ao baldio e encontraram o cilindro ainda na mesma posição. No entanto, os sons provindos do interior já tinham cessado e via-se um delgado círculo de metal brilhante entre o topo e o corpo do cilindro. O ar estava a entrar ou a sair na borda com um som débil e chiante.
Puseram-se à escuta, bateram no metal com um pau e, como não receberam resposta, concluíram que o homem ou os homens que se encontravam no interior estavam, provavelmente, inconscientes ou mortos.

Como é natural, nenhum deles sabia o que devia fazer. Gritavam consolações e promessas e, em seguida, regressaram à cidade para pedir ajuda. Podemos imaginá-los, cobertos de areia, excitados e com as roupas em desalinho, subindo a correr a pequena rua sob o sol brilhante, precisamente no momento em que os lojistas desciam as persianas e as pessoas abriam as janelas dos quartos. Henderson dirigiu-se imediatamente à estação de caminhos de ferro a fim de telegrafar as notícias para Londres. Os artigos dos jornais tinham preparado as mentes humanas para a recepção da novidade.
Cerca das oito horas, um certo número de rapazes e de homens desempregados encontravam-se no baldio para ver “os homens mortos vindos de Marte”. Era essa a forma que a história tomara. Ouvi-a pela primeira vez da boca do ardina, cerca das nove menos quinze, quando saí para comprar o Daily Chro-nicle. Naturalmente, fiquei espantado e não perdi tempo algum a sair e a atravessar a ponte de Otter-shaw em direcção aos fossos de areia.


III
NOS BALDIOS DE HORSELL

Encontrei uma pequena multidão de cerca de vinte pessoas rodeando o imenso buraco no qual se encontrava o cilindro. Já descrevi a aparência daquela massa colossal enterrada no solo. O relvado e o cascalho que o cercavam pareciam ter sido carbonizados como que por uma súbita explosão. Este impacte causara certamente uma irrupção de chamas. Hen-derson e Ogilvy não estavam presentes. Penso que se apercebiam de que não havia nada a fazer por enquanto e tinham ido tomar o pequeno-almoço em casa de Henderson.
Havia quatro ou cinco rapazes sentados à beira do fosso, com os pés a balouçar, divertidos - até que os fiz parar-, a atirar pedras para o gigantesco objecto. Depois de os ter repreendido, começaram a “atingir” o grupo de curiosos.
Via-se um casal de ciclistas, um jardineiro de empreitada ao qual dera trabalho algumas vezes, uma rapariga com um bebé, Gregg, o homem do talho, e o seu neto, dois ou três vadios e golf caddies' que estavam habituados a vaguear perto da estação de caminhos de ferro. Falavam muito pouco. Nesse tempo, poucas pessoas em Inglaterra sabiam alguma
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1 Rapazes que, no golfe, transportam a saca dos apetrechos. (N. do T.)

coisa, além de ideias gerais, acerca da astronomia. A maioria dos presentes fitavam calmamente a extremidade do cilindro, semelhante a uma grande mesa. O cilindro encontrava-se ainda na mesma posição em que Ogilvy e Henderson o tinham visto. Eu imaginava que a expectativa popular de um amontoado de cadáveres carbonizados fora desiludida perante esta massa inanimada. Alguns foram-se embora e outros chegavam. Desci ao fosso e pareceu-me sentir um débil movimento sob os meus pés. O topo já não rodava.
Foi só quando me aproximei, muito rente, que se me tornou evidente o que havia de estranho neste objecto. A primeira vista não era, na realidade, mais excitante do que uma carruagem voltada ou uma árvore atravessada na estrada. Nem tanto como isso, sem dúvida.
Parecia como que um carro enferrujado. Era necessária uma certa cultura científica para nos apercebermos de que a capa cinzenta da Coisa não era de nenhum óxido vulgar, que o metal branco-amarelado que raiava na fenda entre a tampa e o cilindro tinha uma coloração exótica. “Extraterrestre” não significava nada para a maioria dos espectadores.
Nesse momento, eu já tinha a certeza de que a Coisa viera do planeta Marte, mas não me parecia provável que contivesse qualquer criatura viva. Pensava que o desaparafusamento devia ser automático. Apesar das afirmações de Ogilvy, continuava a acreditar que existissem homens em Marte. Dava largas à imaginação, pensando na possibilidade de se encontrar um manuscrito no interior do cilindro, nas dificuldades de tradução que poderiam surgir, na descoberta de moedas ou desenhos e por aí adiante. No entanto, tudo isto era um pouco inverosímil. Estava impaciente por vê-lo abrir-se.
Cerca das onze horas, como nada acontecia, regressei, absorvido pelas ideias que me tinham ocorrido, à minha casa em Maybury. Mas tornou-se-me difícil continuar o meu trabalho de investigação abstracta.
De tarde, o aspecto do baldio sofrera uma grande transformação. As primeiras edições dos jornais da tarde tinham assombrado Londres com enormes cabeçalhos:

UMA MENSAGEM DE MARTE
IMPORTANTES ACONTECIMENTOS EM WOKING e por aí adiante. Além disto, o telegrama de Ogilvy para o Centro de Intercâmbio Astronómico excitara todos os observadores dos três condados.
Na estrada de acesso aos fossos de areia viam-se três cabrioles, vindos da estação de Woking, uma carruagem de Chobham e mais alguns veículos de casas nobres. Além disto, havia uma verdadeira multidão de bicicletas. Deve ter chegado um grande número de pessoas de Woking e Chertsey, apesar do calor, de modo que também se encontrava ali uma considerável multidão - incluindo algumas damas vistosamente vestidas.
Estava um calor terrível. Não havia nenhuma nuvem no céu nem um sopro de vento, e a única sombra provinha dos poucos pinheiros dispersos. O incêndio do urzal fora extinto, mas, nas imediações de Horsell, a planície estava enegrecida até onde a vista alcançava e continuavam a subir no ar volutas de fumo. Um negociante oportunista de doçarias de Chobham Road tinha enviado o filho com um carrinho de mão carregado de maçãs verdes e refresco de gengibre.
Quando me aproximei da beira do fosso, deparou-se-me um grupo de cerca de meia dúzia de homens - Henderson, Ogilvy e um homem alto e louro que, conforme soube mais tarde, era Stent, o astrónomo real, e vários operários que empunhavam pás e picaretas. Stent dava instruções numa voz clara e aguda. Estava de pé em cima do cilindro que se achava agora, evidentemente, muito mais frio; tinha o rosto carmesim e escorria suor. Parecia irritado por qualquer motivo.
Já estava a descoberto uma grande parte do cilindro, embora a base se encontrasse ainda soterrada. Mal Ogilvy me viu entre a multidão pasmada que se achava à beira do fosso, disse-me para descer e perguntou-me se me importaria de procurar Lord Hilton, o proprietário da herdade.
A crescente multidão, afirmou, estava a tornar-se um sério obstáculo para o prosseguimento das escavações, em especial os rapazes. Queriam uma cerca de protecção e precisavam de ajuda para manter as pessoas afastadas. Contou-me que se ouvia ainda, de vez em quando, um débil ruído de movimento provindo do interior do objecto, mas os operários não tinham conseguido desaparafusar o topo, pois não eram capazes de lhe tocar. O objecto parecia ser extremamente espesso e era possível que os fracos sons que se ouviam representassem um tumulto ruidoso no interior.
Senti-me bastante satisfeito por fazer o que ele me pedia e, assim, tornei-me um dos espectadores privilegiados que se encontravam dentro do recinto vedado. Não encontrei Lord Hilton em casa, mas informaram-me que devia chegar de Londres no comboio que parte às seis horas de Waterloo. E, como nesse momento eram quase cinco e um quarto, voltei a casa, tomei chá e dirigi-me para a estação onde esperei que ele chegasse.
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AGUARDE! EM BREVE A CONTINUAÇÃO DESTA INCRÍVEL FICÇÃO-CIENTÍFICA!





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A Rainha dos Pantanos - Henry Evaristo

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§ 4º O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.



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