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27.9.08

A MULHER DO CARRO PRATEADO

Nosso colaborador Pedro Pazzeli retorna com um conto de ficção-científica no melhor estilo anos 80. Boa leitura!




A MULHER DO CARRO PRATEADO


Por Pedro Pazzeli




Junto com a tempestade que começava a cair naquela tarde, ela chegou. Como uma rajada de vento que vem de surpresa, entrou no barulhento bar-restaurante à beira da estrada BR40, próximo à pequena rodoviária da cidadezinha no interior de Minas Gerais.


Cerca de duas dezenas de motoristas de caminhão, homens rudes que sempre ali almoçavam, congelaram seus gestos e seus olhares em pleno verão. Em seus corações, o sangue passou a correr mais veloz, com o calor do desejo queimando-os por dentro. Os ruídos cessaram. O tempo parou. Nem um talher batendo em um prato. Nem o barulho de uma respiração. Até o garçom, franzino, de bigodinho fino, braços abertos, com a bandeja em uma das mãos e o pano de limpeza em outra, virou um espantalho no meio do milharal. Todos haviam se transformado em estátuas. No ar, apenas aquele perfume mágico e maravilhoso que entrava com ela. Sobre sua pele morena e fresca, um lindo vestido, da cor vermelha quase púrpura, onde seios pequenos porém firmes e impetuosos, pareciam querer romper o fino tecido.


Dirigiu-se lentamente ao balcão sacudindo os cabelos cor da noite. Sua voz sensual e meiga disse uma frase:


-Uma xícara de café, por favor.


Como por encanto, aos poucos, todo o ambiente voltou a pulsar. Ouviu-se de novo o tilintar dos talheres, as vozes reiniciando conversas fúteis, as gargalhadas, o arrastar de mesas e cadeiras e o garçom voltando à vida. Ela pegou o café e se dirigiu a uma mesa vazia balançando os quadris atraentes, colocados sobre pernas perfeitas. Puxou uma cadeira e com a elegância de uma dama, se sentou.


Um vulcão entrou em erupção dentro do peito do rapaz que, sentado na mesa ao lado, esqueceu do refrigerante, armou-se de coragem e gaguejando investiu:


-De...dei...xa... que eu pago seu café.


O rosto delicado da mulher levantou-se lentamente mostrando um olhar doce, castanho e quente como a luz de dois faróis intimidando e cegando aquele jovem com seu brilho, mas aquecendo sua alma.


-Obrigada. Você é muito gentil! – soou o canto daquela ave frágil em meio a tantos cães das estradas - Como você se chama?


O coração dele veio até a boca, antes de responder: - Ricardo... e o seu?


- Marta Valéria. – respondeu aquela boca carnuda, dentes perfeitos e hálito de flores do campo.


- Lindo seu nome, faz jus à dona. O que faz aqui?


- Viajo. Viajo muito, e você? – devolveu.


Ele titubeou e meio sem graça, respondeu:


- Motorista de caminhão. – e antes que ela tivesse tempo de pensar, apressou-se em explicar:


- Mas não sou desses que brigam por qualquer besteira, jogam queda de braço, fumam seus cigarros fedorentos, ficam bêbados e arrumam confusão. Sou muito civilizado. E tentando justificar, completou:


- Só estou nessa vida porque fui mandado embora do meu outro emprego. Sou desenhista. De arquitetura, sabe? E também escrevo.


- Escreve?! – animou-se ela. – O que?


-Crônicas para um jornal de bairro. Como colaborador, sabe? Não pagam nada, mas meu nome tá lá toda semana.-disse tentando não demonstrar seu nervosismo com as mãos.


-Compreendo perfeitamente. – tranqüilizou ela. – Eu também escrevo.


-Escreve também?! O que? – animou-se ele, vendo uma identificação, antes difícil.


-Escrevo poemas.


-Ora, vejam só!. Adoro poesias! – disse ele, mesmo sabendo que mentia. Recite uma das suas para mim.


E ela recitou o mais belo dos poemas exaltando a vida, o amor, o céu e as estrelas. Conversaram por meia hora. Ela era culta e falava sobre tudo com desenvoltura.


-Você está viajando para onde, Marta?


-Vou em direção ao Nordeste.


-Coincidência. Eu também. Sul da Bahia, pra ser mais preciso. Podemos viajar juntos. Eu lhe dou uma carona em meu caminhão, se você não se importar. – ofereceu sorridente.


-Tenho carro.-disse ela apagando o sorriso dele. – Mas, sugiro que rodemos juntos pela estrada.-olharam-se fixamente por um tempo e ela levantou-se: - Já tenho que ir. Você vem?


Ele fez um sinal para o garçom e pagou a conta.


A chuva havia parado. Iam se dirigindo à saída, quando um brutamontes de quase dois metros de altura, parecendo um gorila, cheirando à cerveja, roupas amarrotadas e sujas, interceptou-lhes a saída, rosnando:


-Onde pensa que vai com essa belezoca, rapaz? Deixa um pedacinho pra gente!


Todo o local se transformou em um circo, onde dezenas de bocas gargalhavam estrepitosamente. Ricardo se sentiu um palhaço, e reagiu:


-Sai da nossa frente, imbecil!


A expectativa de uma tragédia congelou novamente o local. Até as moscas sobre o balcão do bar pararam. Centelhas voaram dos olhos dos dois homens. A mão do brutamontes, como uma luva de boxe, atingiu Ricardo, atirando-o porta afora. Seu corpo atravessou a calçada e caiu no meio da rua.


O agressor fez menção de ir acabar o que começara. Marta Valéria impediu o massacre interceptando o valentão, colocando a mão suave no ombro daquele ser meio homem meio animal. Era uma flor sendo colocada sobre uma pedra. O gorila deu um safanão na flor e fitou duramente a mulher. Todo o recinto acompanhava com olhares fixos e rostos boquiabertos como bonecos de cera esperando o fogo derretê-los. Ela reagiu encarando-o com um olhar tão poderoso que a montanha de músculos desmontou no chão e desmaiado lá ficou. O silêncio explodiu em mil gargalhadas. Era o último espetáculo do circo.


A jovem atravessou a porta, seguida pelo garçon e meia dúzia de freqüentadores do local, indo de encontro ao jovem caído em meio a uma poça de chuva. Ele ergueu a cabeça à sua aproximação e antes de olhar para aquele rosto angelical, viu os pés pequenos e inocentes como os de uma criança que corre pelos campos numa tarde de primavera. Levantou-se, pensando em tomar satisfações com seu agressor, mas antes que seu ímpeto se transformasse em ação, ela como que adivinhando, interferiu:


-Lembra do que me disse? ...que não era como os outros? Vamos embora. Meu carro é aquele ali. - apontou. Os que saíram do bar-restaurante aproximaram-se do veículo, curiosos. O carrinho, era uma beleza. Um modelo desconhecido.


-É importado? –perguntou. – Onde o conseguiu? Que beleza de conversível! Isto deve valer uma grana, menina!


-Foi presente de família. É maravilhoso. Me leva onde eu quero e nunca enguiça.


-Nossa, é um carro do outro mundo! Estou ansioso para rodarmos juntos. Serei seu segurança. – brincou Ricardo. - Ali está meu caminhão com uma carga de madeira.


Ela olhou o caminhão Scania e disse:


-Por certo nos separaremos em algum ponto da estrada. Quero dizer que foi muito bom conhecê-lo. Meus pais adorariam você. Vivem procurando um partido para mim.


O coração do rapaz deu pulos de alegria, ainda mais quando ela deu um rápido e delicado beijo nos lábios dele. A turma que estava à volta, aplaudiu, deixando-os envergonhados.
-Posso lhe telefonar?


-Não tenho telefone. – respondeu ela.


-E se eu lhe deixar o número do meu celular, você me liga? - ele insistiu entregando-a um cartão.
-Talvez. – disse sorrindo. - Vamos?


O carrinho, que ia na frente, era uma veloz libélula, leve e suave, destacando seu prateado sobre o cinza das estradas e o verde das encostas. O caminhão, logo atrás, era um dragão pesado com sua boca rugindo, cuspindo fumaça e arrotando cheiro de óleo diesel queimado. Os ventos açoitavam os cabelos da mulher fazendo com que Ricardo pensasse como eles deveriam ser espalhados sobre a cama dele.


A chuva recomeçou, a princípio fraca, depois ameaçadora. O nevoeiro surgiu. Raios riscaram o céu e trovoadas amedrontaram. O carrinho de prata fechou a capota e o caminhão ligou o limpador de pára–brisa. A chuva aumentava e o rapaz sentia a necessidade de diminuir a velocidade, enquanto o carrinho atingia velocidades cada vez maiores. O Scania cantava pneus nas curvas, tentando acompanhar o carro daquela mulher misteriosa. Rangiam os freios. Era impossível acompanhá-la. Ricardo buzinou tentando chamar a atenção da motorista para a próxima curva perigosa que era em “V”. Na velocidade em que iam, certamente perderiam o controle dos veículos, atravessariam a pista e se projetariam no abismo. Ele sentiu medo e conseguiu frear a tempo de parar no acostamento, antes da curva. Alarmado, viu a bólide reluzente cruzar a pista, se projetar no vazio, mas logo em seguida, abrir duas asas de metal e alçar vôo por sobre o abismo. Subia cada vez mais, as suas lanternas traseiras piscavam e sua buzina tocava numa saudação de adeus. Atrás do carro, uma esteira de luz saía como se ele tivesse propulsão a jato. Em meio à tempestade, a noite foi caindo enquanto aquele ponto prateado ia diminuído lentamente entre as nuvens carregadas. O rapaz tinha na mente um turbilhão de dúvidas: “Será que ela iria realmente procurá-lo?” “Seria Marta Valéria seu verdadeiro nome?” De tudo, sobrava apenas uma certeza: Aquele era mesmo um carro do outro mundo.


Engrenou a marcha e pôs novamente o caminhão em direção ao Nordeste.

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