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26.11.09

VAGANDO PELOS CAMPOS DEVASTADOS - Paulo Soriano

Paulo Soriano retorna à Câmara com mais um conto cruel e poderoso. Boa leitura!



VAGANDO PELOS CAMPOS DEVASTADOS


Paulo Soriano

Vagar pelos campos devastados pela fome, esmolando aqui e furtando acolá, é tudo o que me resta. Houve um tempo em que me eram bem-vindas a sedução e a beleza quase asfixiantes dos vales lindeiros ao Minho. Hoje, já não me comovem os meandros do belo rio. Como sempre, ele cumpre, pachorrentamente, a sua sina, quase silencioso e sempre muito mais traiçoeiro que profundo. Mas ainda me banho em suas borbulhas e afogo a minha sede na frescura de suas águas.

Há uma senda que serpenteia da cidade de Ourense à vila dos Coutos, margeando o rio como se fora uma sombra sórdida. Nestes tempos de muita fome, a vereda é quase deserta; mesmo assim, é caminho obrigatório para os que finalmente capitulam e abandonam os campos mirrados, escoando como regatos em busca do mar e das caravelas do Novo Mundo. É em sendas como esta que os vagabundos de minha espécie, que sobreviveram à peste e ao abandono, perambulam, lançando mão da sagacidade ou da lascívia para colher migalhas dos emigrantes.

Antes de morrer, vergada à fúria da peste, que vitimara meu pai e meus irmãos, minha mãe me dissera:

- Não passas de uma garota. Protege-te bem. Bem difíceis emergem os tempos que virão. És livre para esmolar e furtar. Mas não mates. E nem faças de teu corpo serventia de mancebos obscenos. Que em tua bolsa não tilinte moeda de fornicação. Toma em tua mão o que te servirá de escudo. Não deixa de ser uma espécie de amuleto eficaz. E, se procederes conforme minhas instruções, estarás de todo e para sempre protegida em tua honra.

Eu escondera as minhas roupas sob o peso duns pequenos seixos, removidos dentre as raízes de um velho álamo, quase à margem da vereda. Mas, ao retornar, depois de um demorado mergulho, notei que minhas vestes haviam desaparecido. Quem as furtara - soube pouco depois - fora um rapazote quase imberbe - feio e maltrapilho-, mas armado de adaga. Ele agora admirava, com enorme curiosidade e maior ainda excitação, o meu formoso corpo, completamente molhado e nu.

- Dá-me de volta as minhas roupas! – gritei.

O rapaz fez pouco caso de mim. Sorria-me como um néscio, mas havia volúpia em seus olhos de raposa.

- Dá-me logo de volta! – insisti, exasperada, agachando-me e escondendo os seios com os braços dispostos em cruz de Santo André.

- Sim! – disse-me o rapaz. - Dou-te sim. Mas, tudo tem um preço... Quero-te. Abre-me as pernas.

O rapaz sorriu uma fileira de dentes brancos e irregulares, resfolegando de lascívia.

- Tira logo a tua roupa, rapaz – disse-lhe finalmente, estirando-me de costas na grama e abrindo bem as pernas. Naquele momento, não houve como impedir o assédio angustiante da imagem de minha mãe moribunda.

O jovem avançou sobre mim, pondo abaixo os calções com a ansiedade de um lunático, e prestes a ejacular. Penetrou-me como um raio e, imediatamente, estremeceu. Quando, arquejante, abriu os olhos, consultando feliz o instrumento de seu sucesso, viu que todo o púbis estava encharcado de sangue. Perguntou-me, então:

- Estás naqueles dias?

- Não, não estou.

- Então, donde vem tanto sangue?

- De tuas veias, evidentemente.

Quando o jovem verificou que tinha o pênis mutilado, urrou como um animal ensandecido. Cessada a excitação, somente agora experimentava a dimensão da dor dilacerante.

- O que tu fizeste comigo? – gritou o jovem imberbe. – Que fizeste comigo, ó puta dos demônios?!

Não respondi, deixando o rapaz embeber-se de sangue e pânico. Nas águas do Minho, limpei cuidadosamente o fragmento de lâmina de navalha, antes de acomodá-lo, novamente, na abertura de minha vagina.

Vagar pelos campos devastados pela fome, esmolando aqui e furtando acolá, é tudo o que me resta. Além da honra imaculada de senhorinha casta...

ASSUNTO ENTERRADO - LINO FRANÇA JR.

Lino França Jr., um dos mais novos representantes da boa literatura fantástica nacional, está de volta às páginas da Câmara dos Tormetos. Boa leitura!

ASSUNTO ENTERRADO


Lino França Jr.


Fim de tarde. Nelson já tinha feito jus ao seu minguado salário daquele mês. Naquele dia em especial foram três enterros. Três covas para se abrir. Três covas para se fechar. Será que havia algum serial killer nas redondezas? Não. Era apenas coincidência. Mas justamente naquele dia, em que o sol estava inclemente, teve o trabalho de um mês inteiro. Os músculos estavam doloridos. A barriga roncava. Queria ir embora logo. A mulher, certamente, já estaria preparando alguma refeição para tapar o buraco do estomago. Mas o dia de trabalho ainda não findara.

Passou pela alameda dos endinheirados, onde os sepulcros de mármore eram cheios de frescura: querubins e santos de bronze, enfeitados com flores naturais que eram trocadas de dois em dois dias, e mais limpos do que o chão de sua própria casa.

Ao passar por um dos jazigos, onde repousava uma senhora de cabelos bastos e brancos, numa sepultura de azulejos negros que reluziam em contraste com o finzinho de sol que ainda brilhava no firmamento, Nelson ouviu aquela voz estridente às suas costas:

- Seu Nelson – chamou o homem – Por favor, Seu Nelson.

O coveiro virou-se e ameaçou um sorriso amarelo.

- Pois não, Seu Marcos. – respondeu

O atarracado homem usava um terno bege surrado. Dava a impressão que um dia o terno fora branco, mas de tão usado e mal lavado adquiriu aquela coloração amarelada. Marcos era o administrador do cemitério municipal. Quase nunca vinha até o fúnebre lugar, mas sempre que o fazia, trazia consigo alguma perturbação.

- Então, Seu Nelson, estamos com um problemão – disse o homem olhando em volta, como se procurasse alguma alma penada. – O senhor acredita que recebemos uma denúncia lá na prefeitura, de que profanaram uma das sepulturas aqui do cemitério? – disse o administrador.

Nelson franziu o cenho e não disse nada esperando que o homem continuasse.

- Recebemos a tal denúncia de forma anônima, dizendo que o corpo daquela menina que foi assassinada na semana passada, foi violado pelo próprio assassino que é envolvido nesses negócios de magia negra, e pra concluir a tal da magia, precisava do corpo da defunta de novo – finalizou o homem balançando a cabeça negativamente, em sinal de reprovação.

- Não é possível, Seu Marcos. Eu ando por todo o cemitério o dia inteiro e se houvesse alguma coisa estranha, e o senhor pode ter certeza que um corpo desenterrado é algo muito estranho pra mim, eu teria notado.

- Eu imagino, mas sabe como é, Seu Nelson, são ossos do ofício – disse o homem colocando a mão no ombro do coveiro. – Temos de ter certeza. É preciso checar – sentenciou, Marcos.

O coveiro arregalou os olhos querendo imaginar o que o homem queria dizer com: “É preciso checar”.

O administrador mostrou o lugar ao coveiro, como se este precisasse de instrução para localizar alguma sepultura. Nelson era mestre em enterrar defuntos, mas pela primeira vez teria de fazer o contrário. No seu íntimo, pensava que aquilo poderia lhe trazer algum mau agouro. O homem passava mais tempo dentro daquele cemitério do que na própria casa. Não havia um só jazigo que ele não soubesse a quem pertencia. Era óbvio que se houvesse ocorrido algo de anormal ali, principalmente algo tão evidente, como a violação de um dos túmulos, Nelson, certamente daria pelo acontecido. Além disso, o ofício de cavar e encher as tumbas, não era trabalho que qualquer um poderia fazer sem deixar rastro.

Entretanto, por mais absurdo que fosse a ordem dada por Marcos, ele estava ali apenas para cumprir o que lhe mandavam fazer.

Pá nas costas e má vontade para descobrir o que já sabia. A defunta estaria lá, com seu vestido branco e cercada por flores murchas e tão mortas quanto ela, descansando em seu sono eterno.
A garota não era de família abastada como as dos sepulcros que ficavam na parte alta do campo-santo. Em seu último reduto de repouso, apenas uma lápide que continha uma foto mal tirada, onde se destacavam os olhos grandes e de um azul profundo, e as datas de nascimento e morte da garota. Um vaso gasto com flores de plástico servia como adorno.

Nelson bufou e olhou uma última vez para o chefe, na esperança que este mudasse de idéia, mas de nada adiantou. Seria um trabalho árduo e sem fundamento, mas quanto mais rápido o fizesse, mas rápido poderia ir pra casa encher a pança com a gororoba da patroa.

O sol já havia se deitado, e a penumbra invadia aquele recinto de descanso. Uma tênue névoa cobria o chão. O ruído dos insetos e o coaxar dos sapos lembravam uma sombria sinfonia que servia como trilha sonora para aquela empreitada sinistra.

Bateu o instrumento no solo já endurecido. Sete palmos de terra, como o de costume. E então, começou a cavar sob o olhar penetrante do chefe, que coçava o queixo, como se apreciasse aquele momento de excitação pelo desconhecido, pelo macabro. No fundo, Marcos nutria a esperança de que aquela história fosse verdade, pois seria algo de novo e realmente importante para a pacata cidade, e principalmente para sua vida tediosa e desestimulante. A cada porção de terra vermelha que subia pelo ombro do coveiro, sua inquietação aumentava. Talvez por isso Marcos não tenha sido capaz de notar as mudanças que ocorriam em seu funcionário.

Nelson continuava a cavar mecanicamente. Ato tão natural a ele não fosse pelo presente objetivo. Depois dá terceira pá de terra tirada do sepulcro da garota assassinada, um formigamento começou a subir pelas mãos, correndo pelos braços e atingindo seu pescoço e cabeça. Os nervos do corpo do homem tremiam e suas feições sofriam alguma espécie de mutação. Esboçava um sorriso na boca de lábios finos, que mais parecia um esgar feio. Os olhos se reviravam nas órbitas e um arrepio gelado subiu pelas costas e se espalhou pelas costelas. Nelson não tinha mais controle sobre seu corpo, sobre sua mente. Nelson não era mais ele mesmo. Sua carcaça cansada servia agora de suporte para outra alma. Uma alma penada e aflita. Uma alma em busca de paz. Uma paz que só viria através de vingança.

Um som oco foi ouvido por Marcos que assistia ao homem trabalhar com eficiência incrível. Lá estava a esquife de madeira coberta por aquilo que havia sido uma coroa de flores simplória. Marcos esfregou as mãos como se estivesse à espera de um presente há muito aguardado. Um sorriso indecente marcava-lhe a face. As imagens começavam a voltar em sua mente perturbada. Primeiro a imagem da garota caminhando por uma viela erma. Depois o convite para a carona, que fora aceito ingenuamente. A confusão de imagens na cabeça de Marcos, agora adentrava ao quarto de seu apartamento fétido. A garota, de olhos azuis brilhantes, chorava copiosamente no canto do cômodo empoeirado. Seguiu-se o espancamento, o estupro, e enfim o estrangulamento, dando cabo à vida da garota.

Com as lembranças reavivadas na mente, Marcos também não se deu conta de que Nelson se afastara da cova recém aberta. A escuridão imperava nas vias estreitas e sinistras do cemitério, e Marcos não conseguiu mais enxergar o funcionário que aparentemente se evadira dali com medo da assombração da garota que teria seu sono eterno interrompido. Marcos sorriu novamente, as coisas caminhavam bem melhor do que o plano inicial traçado por ele. Colocaria novamente as mãos na pele lisa e alva da garota, e mais, tomar-lhe-ia o corpo com devassidão, e assim poderia satisfazer seus desejos macabros outra vez. Marcos pulou pra dentro da cova apoiando os pés nas laterais da catacumba. Bateu com o punho em uma das abas laterais do caixão que soltou-se produzindo um som abafado, deixando escapar uma fumaça esbranquiçada. Cada segundo que antecedia o reencontro da vítima com seu assassino, excitava ainda mais o monstro doentio. Marcos enfiou os dedos compridos por debaixo da tampa do ataúde e o puxou de uma vez. Os olhos do homem chisparam de ódio ao encontrar o vazio dentro do caixão acolchoado. Seu espanto foi ainda maior quando ouviu passos vindos de cima da cova. Olhou para cima, onde a lua cheia cintilava majestosa. Aos poucos, Marcos percebeu a imagem de Nelson que cobria o globo lunar, numa espécie de eclipse. O coveiro exibia uma expressão de fúria que contrastava com belíssimos olhos azuis e radiantes, que não pertenciam a ele, mas que foram prontamente reconhecidos pelo assassino.

A pancada seca da pá que Marcos sentiu na nuca o derrubou de imediato. O sangue quente desceu pelo pescoço, e o homem caiu perfeitamente encaixado no esquife desocupado. Seus olhos vidrados encontraram mais uma vez o azul sereno nas órbitas de Nelson, que, entretanto, brilhava de satisfação. Marcos ainda assistiu, petrificado, o coveiro fechar a tampa do caixão, além de ouvir as primeiras pás de terra deslizando por cima do ataúde.

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A Rainha dos Pantanos - Henry Evaristo

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UM SALTO NA ESCURIDÃO - Henry Evaristo publica seu primeiro livro

O CELEIRO, de Henry Evaristo

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